terça-feira, janeiro 23

TRAUMA ESPLÊNICO: COMO INDENTIFICAR? COMO CLASSIFICAR DE MANEIRA CORRETA?

O baço é um dos órgãos mais acometidos em traumas, sendo responsável por 40-55% dos traumas fechados. Por ser altamente vascularizado, quando submetido a um trauma, pode iniciar uma hemorragia, que, a depender do grau de lesão, pode tornar-se potencialmente fatal. O principal objetivo do tratamento do trauma esplênico é a identificação dessa lesão e o controle do foco hemorrágico. 

Anatomia e Fisiologia do Baço:

O baço está localizado no quadrante superior esquerdo do abdome, lateralmente ao estômago. É um órgão de grande importância na linfopoiese, sendo responsável por cerca de 25% da massa linfoide do nosso corpo.

Mecanismo de Trauma;
Trauma Fechado:

É o mecanismo de trauma mais importante quando nos referimos a trauma esplênico. Pode ocorrer por colisões de veículos motorizados (motorista, passageiro ou pedestre), resultar de quedas, atividades esportivas ou agressão. Nunca devemos subestimar a energia transferida em um trauma abdominal fechado. O impacto direto da parede abdominal contra o volante ou com a intrusão da porta em uma colisão de veículos pode levar a esmagamento ou compressão do baço, que, por ser um órgão sólido, pode acabar rompendo, resultando em hemorragia.  Outro tipo de lesão comum é a causada por forças de desaceleração, onde o baço, por ser tratar de um órgão móvel, é submetido a movimentos em sentidos opostos, podendo levar a lacerações nos locais de inserção dos seus ligamentos de fixação.

Trauma Penetrante:

O trauma esplênico penetrante é menos comum que o trauma fechado e geralmente está associado à agressão. Quando o trauma acontece por arma branca ou projéteis de baixa energia, pode causar danos aos tecidos por corte e laceração. Projéteis de alta velocidade acabam transferindo maior energia cinética às vísceras abdominais, podendo ocasionar um dano muito maior. Devido à localização anatômica protegida do baço, há menor probabilidade de um ataque por arma branca resultar em ferimento penetrante quando comparado a um disparo de arma de fogo.

Avaliação do Trauma:

O baço é um dos órgãos mais lesados no trauma contuso abdominal. Em cerca de 60% dos casos é o único órgão lesado. Por isso, para uma avaliação completa, precisamos aliar elementos da história ao exame físico e aos exames complementares.

História:

É de extrema importância entender o contexto do acidente. Precisamos suspeitar de lesão esplênica quando há história de trauma em quadrante superior esquerdo, hemitórax esquerdo ou flanco esquerdo. Tais informações podem ser oferecidas pelo próprio paciente ou pelo atendimento pré-hospitalar (APH) e variam conforme o mecanismo:

Acidentes automobilísticos: 

velocidade em que estava o veículo, como foi a colisão (capotamento, impacto frontal, lateral ou traseiro), uso de cinto de segurança, acionamento dos airbags, posição da vítima (passageiro ou motorista, banco da frente ou de trás), condição do veículo após o acidente;
Quedas: altura da queda;
Trauma penetrante: tempo de lesão, tipo de arma (faca, arma de fogo), distância do agressor, número de facadas ou tiros que a vítima recebeu volume de sangue no local.

Exame Físico:

Um paciente vítima de trauma esplênico pode apresentar achados como dor abdominal em quadrante superior esquerdo, hemitórax esquerdo ou ombro esquerdo (sinal de Kehr). O sinal de Kehr é caracterizado como dor referida em ombro esquerdo que piora a inspiração. Tal fenômeno é gerado devido à irritação do nervo frênico pelo sangue em contato com o hemidiafragma esquerdo. Também podemos observar contusão em parede abdominal ou hematoma (por exemplo, sinal do cinto de segurança), bem como instabilidade torácica devido a fraturas de costela.  Porém, vale lembrar que um exame físico negativo não exclui possibilidade de lesão esplênica.

Exames Complementares:

No trauma esplênico, entre os principais exames complementares utilizados estão o Focused Assessment with Sonography for Trauma (FAST) e a tomografia computadorizada (TC). O uso de lavagem peritoneal diagnóstica (LPD) vem sendo progressivamente substituído pelo FAST e é cada vez menos frequente nos centros de trauma.

FAST:

É extremamente útil para avaliação de pacientes hemodinamicamente instáveis. Contudo, um exame FAST negativo não é o suficiente para excluir lesão esplênica. Em relação aos achados frequentes, podemos observar uma borda hipoecóica (preta) ao redor do baço, o que pode indicar a presença de líquido subcapsular ou periesplênico intraperitoneal, ou líquido no espaço de hepatorrenal (de Morrison).

Tomografia Computadorizada:

Quando possível, é preferível que o exame seja realizado com a utilização de contraste. Durante a fase arterial é possível realizar uma boa visualização de lesões vasculares esplênicas, sendo altamente considerada no processo diagnóstico. Entre os achados de lesão esplênica, podemos encontrar:

Hemoperitônio:                      

Líquido livre ao redor do baço é altamente sugestivo para hemoperitônio. No caso de lacerações esplênicas com sangramento intenso, podemos encontrar fluido de densidade sanguínea em todo o abdome;
Hipodensidade: ruptura de parênquima, hematoma intraparenquimatoso ou hematoma subcapsular apresentam-se como regiões hipodensas;
Hiperdensidade ou extravasamento: áreas hiperdensas podem indicar ruptura traumática ou pseudoaneurisma de vasos esplênicos.                                    

Já o extravasamento de contraste indica sangramento ativo e necessidade de intervenção de urgência.

Lesões Associadas ao Trauma Esplênico:

No caso de um trauma abdominal fechado com lesão esplênica, é preciso estar atento à possibilidade de lesões associadas, como fraturas de costelas inferiores, fraturas pélvicas e lesão medular. Em 3% dos casos também podem existir lesões de vísceras ocas.

Em relação ao trauma penetrante de baço, as lesões associadas irão depender do instrumento utilizado e da sua trajetória. No geral, é possível encontrar lesões no coração, esôfago, aorta, estômago, diafragma, pâncreas, intestino ou rim esquerdo.

Graus de Lesão Esplênica:

O trauma esplênico pode ser classificado de acordo com o grau de lesão, segundo a American Association for the Surgery of Trauma – AAST. Essa classificação é baseada nas lesões anatômicas identificadas na TC ou no intraoperatório:

Grau Tipo de Lesão Descrição
I Hematoma   Laceração Subcapsular, < 10% da superfície Capsular, < 1cm de profundidade no parênquima
II Hematoma   Laceração Subcapsular, 10% a 50% da superfície, intraparenquimatoso, < 5cm de diâmetro Capsular, 1 cm a 3 cm de profundidade no parênquima.  Não compromete vasos trabeculares
III Hematoma     Laceração Subcapsular, > 50% da superfície ou em expansão; ruptura subcapsular ou hematoma parenquimatoso; hematoma intraparenquimatoso > 5 cm ou em expansão   > 3 cm de profundidade ou envolvendo vasos trabeculares
IV Laceração Comprometimento de vasos segmentares ou hilares produzindo desvascularização de ao menos 25% do baço
V Laceração   Vascular Baço lesado irreversivelmente, pulverizado   Lesão hilar com desvascularização esplênica
Tratamento.

As modalidades de tratamento disponíveis para o trauma esplênico incluem observação, embolização angiográfica e cirurgia, e a escolha da melhor delas irá depender do estado hemodinâmico do paciente, do grau de lesão esplênica, das lesões associadas e das comorbidades existentes.

Paciente Hemodinamicamente Instável
Instabilidade hemodinâmica associada a um exame FAST ou LPD positivo indica investigação cirúrgica de emergência através de laparotomia exploratória para identificar o foco de hemorragia.

Paciente Hemodinamicamente Estável:

Pacientes que apresentam estabilidade hemodinâmica associada a lesões esplênicas de baixo grau (I a III), contusas ou penetrantes, sem achados significativos na TC ou outras lesões intrabdominais associadas, podem ser submetidos a tratamento conservador.

Os pacientes que na TC apresentarem extravasamento de contraste podem se beneficiar da embolização esplênica seguida de tratamento conservador. Outra indicação de embolização esplênica é a formação de pseudoaneurisma intraparenquimatoso. Nos casos de lesões de alto grau (IV e V) e pacientes maiores de 55 anos, a indicação do procedimento precisa ser avaliada.

Indicações de Laparotomia Exploratória:

A laparotomia exploratória no trauma esplênico está indicada nos seguintes casos:

Instabilidade hemodinâmica com LPD ou FAST positivos;
Estabilidade hemodinâmica com sinais de irritação peritoneal;
Lesões esplênicas graus IV e V;
Presença de coagulopatia.
Imunocompetência Após Lesão Esplênica
Pacientes que foram submetidos à esplenectomia precisam ser imunizados como forma de prevenção a infecções causadas por pneumococos, meningococos e Haemophilus influenzae tipo B. A vacinação deve ocorrer preferencialmente após o 14º dia de pós-operatório.

Conclusão:

O trauma esplênico possui uma grande incidência em nosso meio, principalmente quando tratamos de acidentes automobilísticos. As lesões traumáticas do baço decorrem mais frequentemente de trauma fechado, mas também podem ocorrer através de trauma penetrante, como ferimentos por arma branca ou arma de fogo.

No atendimento inicial é preciso realizar uma avaliação rigorosa com base na história do trauma e no exame físico. Os exames complementares, como o FAST e a TC, podem ajudar na avaliação diagnóstica, bem como na instituição de condutas. Vale lembrar que a instituição do tratamento depende principalmente do estado hemodinâmico do paciente. Instabilidade hemodinâmica com LPD ou FAST positivo é um critério mandatório para realização de laparotomia exploratória.

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