No texto referido, Freud apresenta-nos a angústia derivada da relação do Homem com o mundo frente aos reclamos dos instintos. Discorre sobre a preservação de todas as fases anteriores vividas pelo ser humano e, desse modo, o autor sustenta que o passado está preservado em nós. Concorda com a indicação de Romain Rolland, um amigo seu, que lhe explana a questão da existência de um “sentimento oceânico” para explicar a fonte da religiosidade, o qual é subjetivo e que todo ser humano, religioso ou não, o tem. Apesar de Freud concordar, destaca que este sentimento tem sua gênese no sentimento do “ego”.
Necessita-se de um propósito para viver, sem ele a vida perde o seu valor; desse modo a religião consegue assumir esse papel. O Homem busca constantemente a felicidade, a qual pode apresentar duas facetas: uma ausência de desprazer ou um sentimento de prazer. A decisão do propósito de vida é da ordem do princípio do prazer e o nosso aparelho psíquico é dominado por ele desde a primazia do ser. Entende-se que a felicidade é uma satisfação repentina das necessidades represadas, entretanto, quando da permanência da felicidade, o contentamento torna-se frágil. O prazer deve ser fugaz e não o produto de um estado de coisas. Não suportamos a felicidade contínua, citando Goethe, “nada é mais difícil de suportar que uma sucessão de dias belos”. Existem ameaças aos sentimentos: a decadência do próprio corpo, o mundo externo que pode voltar-se contra nós e, o principal e mais penoso, o relacionamento com os outros.
Então, sob a pressão dessas ameaças ao sofrimento, o Homem abre mão do princípio do prazer em prol do princípio da realidade por meio do controle da vida instintiva, acreditando estar feliz por ter escapado da infelicidade e sobrevivido ao sofrimento. Evitar o sofrimento está em primeiro plano e o prazer coloca-se no secundário; caso haja o sofrimento no relacionamento humano, o indivíduo tende a isolar-se conseguindo assim, a felicidade da quietude que se pode denominar de sacrifício da vida. Pode-se afastar o sofrimento via sublimação (com artes, ciências, etc.) do instinto por meio do mecanismo de deslocamento da libido. Ou ainda, negar uma realidade e ficar diante do delírio; faz-se muito disso corrigindo algo insuportável por meio da elaboração de um desejo que se introduz na realidade (fantasias), mecanismo muito incentivado e utilizado pelas religiões. Portanto, a libido vai à busca de um objeto externo e liga-se a ele derivando felicidade por intermédio do relacionamento emocional. Vale salientar que, para Freud, a felicidade é um projeto imposto pelo princípio do prazer e que os caminhos para a felicidade existem, mas não são tão seguros.
O autor, em seus arcabouços, destaca a preocupação com a natureza e alega que jamais ir-se-á controlá-la por completo e pontua que o corpo também integra esta natureza. A civilização, segundo o autor, é a responsável pela desgraça da humanidade; se não fôssemos civilizados seríamos primários, viveríamos sob o princípio do prazer e aí seríamos felizes. O que buscamos para nos proteger está inserido nesta mesma civilização que nos faz sofrer. Somos hostis com a civilização porque nos tornamos neuróticos por não tolerar as restrições impostas pela sociedade, a qual nos impede o alcance da felicidade. Percebe-se que apesar de dominar-se a natureza não se chegará ao objetivo final do propósito do viver, que é ser feliz. A felicidade é, na sua essência, subjetiva.
A civilização exige beleza, limpeza e ordem, inspirada na natureza. Quanto mais ideal, religião e filosofia, maior é o índice de civilização. A civilização regula os relacionamentos sociais e, caso eles não existissem, os instintos primários destacar-se-iam. A troca do poder do indivíduo pelo poder da comunidade inaugura a civilização, que é construída pela renúncia do instinto, conseqüentemente se percebe com nitidez a restrição da liberdade individual, mesmo assim o Homem sempre irá defender a sua liberdade.
Quando o Homem primevo passou a conviver numa vida comunitária, formaram-se as famílias, que sobreviviam pelo trabalho, usavam os primeiros integrantes como auxiliares no trabalho, descobriu-se o amor genital e, com ele, intensas experiências satisfatórias. A descoberta do amor funda e alicerça o conceito da família. Amor, um sentimento positivo entre pai, mãe, irmã e irmão. Este amor é inibido em sua finalidade, pois no início fora sensual e ainda o é, no inconsciente. Amor-genital formando famílias e o amor-afeição formando amigos. Entretanto, existe uma incompatibilidade entre o amor e a civilização, porque existe um conflito entre a família e a comunidade na disputa do filho. A família não consegue abandonar o filho, isto é, a filogênese não abre mão para a ontogênese.
Separar-se da família em prol do ingresso na sociedade, torna-se algo muito difícil para o indivíduo.
Temos inclinação da agressividade perante aos outros e conosco, isto nos perturba muito ao nos relacionarmos com os demais. É difícil amar aquele que não conheço. É difícil manter o ensinamento “amar o próximo como amas a ti mesmo”. Este próximo não é apenas um ajudante em potencial ou objeto sexual, mas também alguém que irá satisfazer a minha agressividade, submetendo-o a diversos papéis, como: trabalho escravo, abuso sexual, roubo, humilhação, sofrimento, tortura, morte, etc.; as paixões do instinto são maiores que qualquer outro interesse.
Sempre haverá a destruição da natureza para a construção da civilização. Sem a agressividade os Homens sentem-se desconfortáveis. É difícil viver na civilização porque é imposto ao sacrifício da sexualidade e, também, ao da agressividade. O homem primitivo achava-se mais confortável por não conhecer as restrições do instinto, por outro lado, o Homem civilizado abriu mão de uma parcela de possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança. O controle da natureza pelos Homens deu-lhes o poder de exterminá-los, este é o principal mal-estar na civilização traduzido por inquietação, infelicidade e ansiedade.
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