Quando Sigmund Freud (1856-1939) faleceu, em 23 de setembro de 1939, na Inglaterra, no ato de seu sepultamento compareceu seu amigo e colega de ofício Stefan Zweig (1881-1942) que fez um discurso no cemitério em Londres, onde externou: “Estão aqui os restos mortais de um homem de quem se pode afirmar que antes dele, o mundo era diferente”.

Zweig sabia o que estava dizendo porque a psicanalise embora sobre todas as críticas de não ser uma ciência já estava prospectando condições existenciais dos atos psicanalíticos que jamais a Filosofia e a Teologia com todo seu arcabouço e aparato teórico conseguiram prospectar, adentrar e examinar temas considerados muito delicados. A Psicanálise começa a abrir os véus e mostrar o palco e quem estava nele e fazer suas considerações nuas e cruas, que o próprio MI-Magistério da Igreja ficou arrepiado e numa situação muito constrangedora.

Nunca e jamais a Teologia, a Filosofia e nem a Antropologia e muitos menos os demais braços das esferas do saber humano, como a História e Sociologia, excluindo as áreas exatas, em que pese muitos engenheiros, arquitetos, físicos, geógrafos, historiadores e técnicos contadores, peritos em leis, operadores do Direito e rábulas, abandonaram suas profissões e foram cursar Psicanálise, tinham imaginado isso antes do Freud.

Ainda sobre a filosofia e teologia

Alguns abriram seus consultórios psicanalíticos e renunciaram seus ofícios anteriores porque ficaram chocados e maravilhados pela coragem impar da Psicanálise que propiciou pela primeira vez na história as pessoas mergulharem em situações até então insondáveis e muitas guardadas à sete chaves. Importante destacar que o mundo todo estava mudando aos poucos para uma aldeia global após a II Grande Guerra Mundial (1939-1945) onde as nações tornaram-se laicas e a Igreja não tinha mais como via ‘longa manus’, perseguir pessoas, fora de seu âmbito institucional.

A Psicanálise passa a examinar temas considerados ‘tabus’ e mexer em ‘dogmas’, o que restou pairar certa serenidade nas mentes e corações. Porque já era de consenso que a modernidade com seus avanços técnicos e científicos como rádio, televisão, satélite, homem pisando na Lua, sondas lançadas no espaço, surgimento de aviões e chip, fim da válvula e começo do eletrônico digital rompendo o analógico e o avião no lugar de navios para encurtar viagens intercontinentais, prenúncio da ‘internet’, enfim, estava impondo mudanças culturais e um visão mais social libertária.

Um revisionismo de tudo estava começando a aflorar e marchar abertamente nos tecidos sociais em vários âmbitos. A Psicanálise passa a questionar origem dos traumas humanos face à concepção de Adão e Eva, pais originais, a gravidez de Maria sem o sêmen humano, o Jesus histórico que teria passado pelas fases psicossexuais, o surgimento da concepção de que ele e Maria Madalena casaram, fizeram sexo e tiveram filhos.

Psicanálise, filosofia e teologia

A questão da ressuscitação de Lázaro aos 30 anos de idades, após 4 dias de óbito e se decompondo, irmão de Marta e Maria, foram situações que a Psicanálise impulsionada por pessoas mais arrojadas começaram a examinar. Isto colocou a Psicanálise na vanguarda diante da Filosofia e Teologia e demais campos do saber, porque todos se negavam a mergulhar e indagar nesse universo do saber humano.

Surge a concepção do Jesus histórico, humanizado, que urinava e vivia como homem;  quem sabe se que num dos relatos de evangelhos apócrifos teria tido experiências homossexuais com um dos apóstolos; que beijava Maria Madalena na boca; que poderia ter sofrido neurose de época, alguns colocavam que Jesus era angustiado e melancólico, inclusive existe uma descrição de transfiguração onde textualmente é referido que Jesus ficou abalado. Passou pelo tormento de ser pendurado no lenho, de ter enfrentado uma flagelação com relhos, uma grande surra por soldados romanos e pregado com cravos numa madeira até entrar em óbito.

A Psicanálise desnuda isso e tenta buscar a composição da situação por via de empatia e também questionando veracidades em que pese muitos operadores da Psicanálise após exames detalhados de tais questões e episódios tornaram-se agnósticos e ateus. A relação da psicanalise com a Religião em especial a que defende a tese da ressuscitação bem como as que defendem a tese da arrebatação ficou abalada.

Religião e conflitos

As religiões que defendem a tese da reencarnação não tiveram grandes conflitos com a Psicanálise. Até porque eram incipientes ainda os operadores da Psicanálise ligados ao espiritismo Kardecista francês, ou outras vertentes, porque ficaram afastados. E tais religiões se socorriam de teorias psicanalíticas e psicológicas além de psiquiátricas para suportar a visão das obsessões, psicoses, neuroses, embora tendo como causa-raiz ou matriz, as vivências espirituais, fora da carne do que teria já sido carne e que teria tido um elo de períspirito com a alma e o sopro humano.

A Psicanálise consegue então ficar na vanguarda diante da Filosofia e da Teologia porque deu esse mergulho. Nenhuma ciência, arte ou técnica antes da Psicanálise de Freud teve coragem de abordar tais temáticas como seus vizinhos existenciais e tentar dar um contorno hermenêutico, porque a Psicanalise é interpretação. Antes de Freud era uma situação, após ele ter formulado os postulados da Psicanálise novo horizonte se operou e muitos temas começaram a ser colocados em pauta, alguns refutados.

Foi então que surgiu a concepção dos paradigmas. A ala, digamos assim, a esfera da Psicanálise que começou a se subtrair em examinar as situações metafísicas e achar que eram ridículas aderiu ao ‘paradigma da mega explosão original’, da panspermia, da evolução. E a ala que ficou ainda investigando tais situações aderiu ao ‘paradigma haja luz e houve luz’. Evidente que este choque dialético em ‘devir’ gerou patologias, o que em diversos casos culminou em suicídios.

Filosofia e Teologia: produção metafísico

Muitos tiveram o chamado choque dialético e não aguentaram o processo profundo de reflexão que a Psicanálise propiciou e resolver dar um fim na vida. Porque a Filosofia nunca entrou nesta seara e a Teologia era e ainda continua em determinadas vertentes balizadas pelo código canônico com um certo controle e novos mecanismos de cerceamentos para evitar que muitos desertem das concepções e questionem dogmas. Este foi sem dúvidas o grande avanço da Psicanálise.

Para alguns analistas da linha da mega explosão original tudo o que a Filosofia e Teologia fizeram de produção seria metafísico e imprestável, devendo ser jogado na lata de lixo, ou incinerado ou transformado em literatura de ficção lúdica diante do choque dos paradigmas onde eles afirmam que nos resta a concepção da mega explosão original e que o Universo é a última fronteira.

Restou tão-somente aos que então ainda vinculados ao paradigma do haja luz e houve luz, continuarem em suas indagações e produções que os operadores do ‘paradigma da mega explosão original’ entendem que é jogar dinheiro e energia fora em coisas que para tal ala já estariam fulminadas na base, porque bem no fundo a religião seria a origem das neurose, das psicose e das perversões. Este é o ponto alto da Psicanálise.

Após o óbito de Freud

A Filosofia e a Teologia não conseguiram chegar neste patamar de análise porque careciam dos conhecimentos trazidos à luz pelo Freud. E após o óbito do Freud, com os conhecimentos já se consolidando não tiveram coragem para adentar nas chamadas neo-análises (escola das novas análises).

Psicanálise foi examinar como se deu tudo isso. Será que Maria engravidou sem o sêmen? Jesus se nutriu e negociou com Maria nas fases psicossexuais, passou por isso? Fez sexo? Teve experiências diversas da conjunção carnal? Foi bissexual? Teve filhos? Teve depressão, angustia, ansiedade, melancolia? Ficou atormentado?

Todos esses pontos e muitos outros como a origem dos seres humanos via Adão e Eva, sem país e avós, o papel dos traumas originais foram objeto de pesquisas psicanalíticas. Filosofia e Teologia nunca fizeram isso. Os corpos que sumiram, por exemplo, de Jesus, Moisés, Enoque…?Poderia o ser humano ser só carne sem espírito ou o espírito precisou da carne e enfrentou as adversidades dos desejos e pulsões?

A matéria precedeu o espírito ou o espírito precedeu a matéria? Este foi sem sombras de dúvidas o grande mérito da Psicanalise e os fatores que colocou ela definitivamente na vanguarda. E, ainda vale salientar, que a Psicanálise continua sendo um processo aberto e em construção, que não findou suas perquirições de análises no campo metafísico.

Muita coisa ainda precisa ser desvelada. A Psicanálise buscou novas interfaces e pela via inter, pluri, multi e transdisciplinar avançou mais ainda e com o declínio crescente da modernidade e o florescimento da pós-modernidade dos tempos líquidos e das disrupturas já começa a buscar uma interface ‘poli’ e ‘meta’ disciplinar para alcançar novos níveis e patamares de análises que são aguardados e que vão causar grande mal-estar em várias instituições e efeitos humanidade.

Quem viver, como dizem no jargão popular, verá. Por fim, resta concluir que a Psicanálise não precisou ser ciência para superar a Filosofia, a Teologia e outras áreas do conhecimento clássico humano.