domingo, abril 7

GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE: O QUE É? QUAIS SÃO OS SINTOMAS? COMO TRATAR?

Gastrite é um termo que ainda proporciona grande ambiguidade na medicina. Para leigos, gastrite é sinônimo de sintomas dispépticos. Para endoscopistas, essa palavra expressa alterações macroscópicas na mucosa gástrica sem confirmação de sua origem inflamatória.

Contudo, para patologistas, microscopicamente pode haver um processo inflamatório mesmo que a gastrite não seja visível a olho nu.

Portanto vamos atribuir à expressão “gastrite” a uma inflamação na mucosa gástrica, aguda ou crônica, cuja etiologia pode ser infecciosa (como a gastrite por H. pylori) e/ou autoimune.

O QUE É GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE?

Gastrite Atrófica Metaplásica Autoimune (GAMA), portanto, é um termo utilizado para descrever uma forma de gastrite crônica caracterizada por um ataque imunomediado às células parietais do estômago, culminando numa substituição destas por uma mucosa atrófica e metaplásica. 

EPIDEMIOLOGIA:

Estima-se que essa condição afete cerca de 2 a 5% da população. Sua prevalência aumenta com a idade e, da mesma maneira que as demais doenças autoimunes, a GAMA acomete predominantemente a população feminina.

Ela comumente surge em indivíduos já portadores de doenças autoimunes como diabetes mellitus tipo 1 e tireoidite de Hashimoto. Uma vez que distúrbios na autoimunidade favorecem o desenvolvimento de outros de mesma natureza. 

FISIOPATOLOGIA DA GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE:

A etiopatogenia da GAMA é complexa e, por isso, o objetivo deste artigo não é aprofundar todos os seus aspectos, mas sim construir um raciocínio que nos permita entender a clínica e a terapêutica dessa doença. 

Nesse sentido, o aspecto principal de sua fisiopatologia é a ação de anticorpos contra as células parietais do estômago, comumente localizadas no corpo e fundo do estomacal.

Essas células são responsáveis pela secreção de: a) ácido gástrico, responsável pela prevenção da colonização do estômago por bactérias e pela conversão de pepsinogênio em pepsina, enzima que auxilia na digestão proteica e de b) fator intrínseco, necessário para a absorção da cobalamina (vitamina B12). 

A destruição dessas células ocorre às custas da ação de anticorpos contra a H+, K+– ATPase, bomba essencial para a secreção do ácido estomacal. Esse fenômeno pode ser deflagrado, inclusive, pela infecção vigente pela H. pylori, cujos antígenos apresentam mimetismo molecular com essa bomba ou seja, a produção de anticorpos contra a bactéria pode causar uma agressão às células parietais do próprio organismo. A destruição das células parietais, portanto, repercute da seguinte maneira:

HIPERGASTRINEMIA:

Como a produção e secreção do ácido gástrico está prejudicada, ocorre um feedback positivo para a produção de gastrina pelas células G estomacais, hormônio estimulador da secreção ácida. Tendo em vista que uma das maneiras de estimular essa secreção é através do estímulo a células semelhantes a enterocromafins (ECL) – responsáveis pela produção de histamina, hormônio intensificador dos efeitos da gastrina nas células parietais. No contexto da GAMA, a hipergastrinemia crônica leva a uma hiperplasia das ECL. 

Deficiência de vitamina B12
Conforme já vimos no tópico cima, o fator intrínseco é importante para a absorção de vitamina B12 no íleo terminal. Com a destruição de células parietais, não há produção do fator intrínseco e, logo, instala-se uma deficiência de B12. Como essa vitamina participa da produção de hemácias, sua carência leva a uma anemia perniciosa, um subtipo de anemia megaloblástica.

DEFICIÊNCIA DE FERRO:

Fisiologicamente, a acidez gástrica cria um mecanismo que converte a forma férrica do ferro (Fe3+) em sua forma ferrosa (Fe2+), que é mais facilmente absorvida. Como a destruição das células parietais leva a uma menor secreção do ácido gástrico (HCl), a absorção do ferro é prejudicada. Instala-se, assim, uma anemia ferropriva, uma vez que o ferro é também uma substância importante para a produção de hemácias. 

Outro aspecto secundário, mas também importante, é que, na GAMA, também ocorre perda de células principais, responsáveis pela produção de pepsinogênio. Dessa forma, pode haver uma redução dos níveis séricos de pepsinogênio I, que é relevante para fins de diagnóstico.

A destruição das células parietais reduz a acidez estomacal, estimulando a hipergastrinemia.
Quadro clínico da gastrite atrófica autoimune
Os pacientes com GAMA são majoritariamente assintomáticos do ponto de vista gastrointestinal e, quando sintomáticos, podem apresentar dispepsia e plenitude pós-prandial. A síndrome anêmica gerada pela deficiência de ferro e vitamina B12 é, nessa doença, a principal responsável por suas manifestações clínicas. 

ANEMIA FERROPRIVA:

Predomina nas fases iniciais da doença, tendo como principais sintomas a fadiga, palidez, tontura e dispneia. Em estágios avançados, pode haver coiloníquia (unha côncava), queilose (lesões em ângulos da boca), glossite e picafagia (desejo anormal de ingerir material não alimentar).

manifesta no hemograma como uma anemia microcítica e hipocrômica.

Anemia perniciosa
Predomina nas fases mais tardias da doença, desencadeando sintomas como fadiga, irritabilidade, declínio cognitivo e glossite.

Pode desencadear ainda uma neuropatia por deficiência de B12 (beribéri seco), que se manifesta principalmente através da diminuição simétrica da sensibilidade vibratória e proprioceptiva, fraqueza em membros inferiores e ataxia sensitiva.

Laboratorialmente, manifesta-se através de anemia macrocítica e normocrômica. 

COMPLICAÇÕES DA GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE:

Lembra da hiperplasia das ECL  Então, partindo do pressuposto que está havendo uma proliferação anormal dessas células, faz sentido pensar que há um risco aumentado para o crescimento de tumores.

Com a contribuição ou não de fatores genéticos, essa hiperplasia pode levar ao desenvolvimento de tumores neuroendócrinos gástricos (carcinoides). Na endoscopia, esses tumores aparecem como múltiplos nódulos ou pólipos pequenos (< 1 cm).

Além disso, a inflamação crônica inerente à GAMA provoca atrofia das glândulas gástricas e, eventualmente, metaplasia intestinal da mucosa gástrica.

Essas alterações, somadas à anemia perniciosa e a idades avançadas, representam fatores de risco para o desenvolvimento do câncer adenocarcinoma gástrico.

DIAGNÓSTICOS DA GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE:

O diagnóstico padrão-ouro da gastrite atrófica autoimune é feito através da avaliação histológica de biópsias gástricas coletadas via Endoscopia Digestiva Alta (EDA). 

Em estágios iniciais da doença, a aparência da mucosa gástrica na EDA é normal. Contudo, com a progressão, ela passa a se manifestar através de atrofia do corpo e fundo gástrico, tornando as pregas gástricas delgadas e os vasos submucosos visíveis, com preservação relativa do antro.

A mucosa, nesse estágio, pode ter aspecto pseudopolipoide, uma vez que se observam áreas polipoides de mucosa oxíntica preservada em meio a áreas atrofiadas.

BIÓPSIA:

A biópsia deve ser coletada em pelo menos dois sítios topográficos da mucosa gástrica ou seja, deve ser coletada na maior e na menor curvaturas do antro e corpo gástrico.

Além disso, é interessante incluir a incisura angular nessa coleta e, caso necessário, pode-se realizar biópsias adicionais de lesões de aparência suspeita.

IMAGEM:

Protocolo de mapeamento de biópsia gástrica, que devem ser obtidas em: 1) Antro, curvatura maior; 2) Antro, curvatura menor; 3) Incisura angular; 4) Corpo, curvatura menor e 5) Corpo, curvatura maior.

HISTOPATOLOGIA:

Na histopatologia, a GAMA apresenta um infiltrado inflamatório composto predominantemente por linfócitos, macrófagos e plasmócitos.

Em estágios mais avançados, pode haver inflamação crônica com perda extensa de células parietais e principais, bem como processos de metaplasia pseudopilórica e/ou intestinal.

A metaplasia intestinal é uma característica universal da gastrite atrófica crônica e reflete, em linhas gerais, uma adaptação celular provocada pelo aumento do pH gástrico e/ou atividade bacteriana.

Achados endoscópicos e histológicos de GAMA tardia: A) atrofia severa da mucosa gástrica, tornando os vasos submucosos visíveis e B) Metaplasia pilórica e intestinal, associadas a infiltrado inflamatório linfocítico e plasmocitário. 

a) hipergastrinemia em jejum;
b) redução da razão entre pepsinogênio I e II, uma vez que apenas o primeiro encontra-se reduzido;
c) anemia ferropriva: microcítica, hipocrômica, com redução dos níveis séricos de ferro e ferritina;
d) anemia megaloblástica: macrocítica, com aumento de ácido metilmalônico, pancitopenia e neutrófilos hipersegmentados.
Por fim, testes sorológicos podem ser utilizados como métodos complementares ao diagnóstico histológico de GAMA.

Dentre eles, encontram-se as dosagens de anticorpos para o fator intrínseco e de anticorpos contra células parietais. 

TRATAMENTO PARA GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE:

Por ser majoritariamente assintomática, a gastrite atrófica autoimune não requer tratamento na maioria dos pacientes. Mesmo para pacientes sintomáticos, não existe tratamento específico, e sim de suporte, visando eliminar potenciais agentes agressores ou combater a síndrome anêmica instalada.

Um dos principais agentes agressores, conforme explicado no tópico “Fisiopatologia”, é a bactéria H. pylori. Caso identificada na biópsia, devemos buscar eliminá-la o mais rápido possível, uma vez que sua eliminação pode levar à regressão parcial gastrite atrófica.

Investigação e terapia de reposição
É importante salientar que a presença de anemia ferropriva exige a investigação cuidadosa de possíveis neoplasias de estômago ou cólon, além da terapia de reposição.

Da mesma maneira, um quadro de anemia perniciosa, no contexto da GAMA, requer realização de EDA para investigar possíveis complicações como os tumores carcinoides e adenocarcinoma gástrico, conforme já vimos no tópico acima.

VIGILÂNCIA INDOSCÓPICA:

Portanto devemos entender que, é interessante que pacientes portadores de gastrite atrófica avançada sejam submetidos a vigilância endoscópica periodicamente.

Embora ainda não haja um consenso na literatura, atualmente recomenda-se que portadores de GAMA avançada com histórico familiar de câncer gástrico realizem EDA a cada 1 ou 2 anos e, na ausência de histórico familiar, a cada 3 anos.

Ainda não há evidências de que portadores de doença leve e moderada se beneficiam de vigilância endoscópica.

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